“O mundo pós corona vírus será outro, o cliente mudou, o comportamento mudou, vamos ter que pegar todo o nosso histórico de dados dos clientes, jogar fora e começar do zero. De agora em diante é uma página em branco”. Isso foi dito por um profissional influente no mercado hoteleiro em uma das muitas lives disponíveis atualmente. Segundo ele estava parafraseando um conhecido CEO de uma empresa de RMS (revenue management system) com cuja opinião parecia concordar. Minha primeira reação foi que esse CEO é muito corajoso, basicamente pediu para os seus clientes cancelarem os contratos com ele e esperar 12 meses para ter dados “novos” e, assim, fazer algum tipo de recomendação ou previsão.
Antes que você se junte ao grupo de pessoas que vão dançar ao redor da fogueira com o histórico de dados dos clientes do seu negócio, leia esse artigo até o final, vamos tentar por essa ideia em perspectiva.
Segundo o filósofo grego Heráclito “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. ” Ou seja, tudo muda. Você já não será o mesmo depois de ler esse artigo, assim como eu não serei mais o mesmo quando terminar de escrever. Tudo está em constante evolução e, em tempos extremos com pandemia, guerras, fomes, mudanças de regime de governo, ataques terroristas essas mudanças são mais impactantes e rápidas.
Eu acredito que depois que a epidemia do COVID-19 passar, algumas coisas irão mudar. Como Leandro Karnall disse em uma live (mais uma) da CNN, “os tempos de crise aceleram as mudanças que já estavam em curso e que tinham alguma resistência” e eu concordo com ele. Um exemplo é o modo como estamos trabalhando. Home office já existe há muito tempo, eu mesmo comecei a trabalhar neste regime em 2008 e tenho certeza que não fui o pioneiro no assunto. Contudo, acredito que muitas pessoas que nunca cogitaram a ideia de trabalhar home office a maior parte do tempo, poderão mudar de ideia agora. Outro caso são os cursos online que mesmo presentes há um certo tempo sofriam grande resistência por parte das pessoas que acreditavam que cursos presenciais eram melhores apenas por ser presenciais. Estas mesmas pessoas talvez reconsiderem agora depois de experimentar (por não ter outra opção), deste modo elas quebrem este estigma.
Apesar destas mudanças que já vinham acontecendo terem se acelerado nesses últimos meses, eu acredito que a essência das pessoas não tenha mudado tanto, mesmo que agora a moda seja fazer happy hour por videoconferência as pessoas ainda vão preferir se encontrar em um bar qualquer ao invés de fazer o Happy hour virtual para pôr as conversas em dia uma vez que as coisas melhorares. Acredito também que as pessoas vão querer viajar, conhecer novos lugares, novos destinos ao invés de fazer um tour virtual, assim como haverão aquelas que irão a um show do seu artista preferido ao invés de ver assistir tudo por uma tela.
A necessidade atual pode ter nos obrigado a fazer alguns ajustes, mas estas adaptações não serão permanentes para a nossa indústria. Quando houver confiança para viajar novamente talvez aquele histórico que não foi para a fogueira como sugerido por alguns, possa nos colocar em vantagem frente a quem teve deu uma de Nero.
Analisando o que há disponível online seja nas notícias, artigos, lives, comentários de economistas e especialistas do setor vejo que teremos quatro etapas diferentes até que tudo volte ao normal seja lá o que for esse “novo normal”.
A primeira fase é o momento de crise, a qual estamos vivendo agora, uma queda vertiginosa nos resultados dos hotéis passando de 50%, 60%, 70% de taxa de ocupação para zero com hotéis fechados e uma grande incerteza do que será de agora em diante. O maior risco dessa fase é você adaptar as suas estratégias futuras tendo em vista esse cenário, pois o comportamento do consumidor AGORA provavelmente não será o mesmo no futuro próximo.
Um player do mercado de turismo de luxo disse que nunca teve uma taxa de abertura de e-mail tão alta e uma taxa de opt-out tão baixa. Isto ocorre porque as pessoas têm muito tempo livre nesta fase, e estão consumindo muito conteúdo online. É muito provável que esse consumo de conteúdo caía bastante quando a rotina agitada voltar, mesmo que as pessoas queiram consumir esse conteúdo. Quem nunca quis começar a fazer exercício físico se tivesse mais tempo?
Contudo, as pessoas nessa fase têm menos dinheiro e muitas incertezas sobre o futuro próximo. É possível que os clientes tenham perdido o emprego, estejam com suspensão de contrato ou redução de salário, tendo que economizar mais do que o desejado ou acumulando dívidas a serem pagas no futuro. Por maior que seja o desejo de consumo, algumas coisas irão ficar para depois. Infelizmente isso se aplica tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas.
A segunda fase será um zigue-zague, caso não haja uma vacina ou um tratamento próximo, vamos ver ondas de relaxamento da quarentena, aumento do número de infectados e mortes, volta da quarentena. Isto refletirá no ramo hoteleiro, vamos ver nossos hotéis com demanda, sem demanda, com demanda, sem demanda e gráfico de Taxa de Ocupação vai ficar um sobe e desce. Honestamente, eu espero que essa fase não ocorra porque será um desafio ainda maior gerenciar o hotel dessa forma do que temos enfrentado até o momento.
A terceira fase será a retomada da curva de crescimento de praticamente zero até os níveis pré-crise. Mas prever se esta linha de crescimento acontecerá em 3 ou 24 meses será extremamente difícil.
Na realidade, esta é a fase de maior risco pois muita gente quer acreditar que aqui será o “novo normal” quando na verdade não será. Assim como nossos negócios estarão voltando aos patamares pré-crise, as pessoas e empresas estarão fazendo o mesmo, voltando a ficarem empregadas, fazer negócios, pagando dívidas e pouco a pouco ganhando confiança no mercado e na volta a rotina, logo esta melhora no cenário trará uma sensação de euforia.
Aqui eu digo, cuidado! Atente-se para que sua estratégia no longo prazo não seja a esse “novo normal” pois nesse momento é onde mais provável que haja um número maior de concessões, principalmente de preços. Então começam as discussões sobre as tarifas pré-pagas (se devem existir ou não), restrições e condições para grupos e todos os tipos de rate fence que existe. Talvez não seja mesmo o momento de ser tão restrito no momento, mas um rate fence por um propósito, controlar a demanda quando ela é alta e nesta fase não será o nosso caso, por isso não jogue na fogueira esse conhecimento, guarde para mais tarde.
A quarta fase será a última e de fato o “novo normal”. Aqui a economia voltará aos patamares pré-crise assim como a confiança na economia e teremos discussões de como os resultados do nosso hotel deveriam ser se não fosse a crise, comparações com inflação e todas aqueles tópicos predominantes em 2019 quando falávamos da diária média que deveríamos ter e não tínhamos, como nossos resultados eram altos em 2012 / 2013 e como o crescimento da rentabilidade não acompanhou a inflação e a oportunidade de aumento de preço que havia se tivéssemos a confiança de aplicar esses preços. (parece que faz um século que tivemos essa discussão, não?)
Aqui nesse “novo normal” vamos poder analisar o comportamento dos clientes e comparar com o histórico que tínhamos pré-crise e ver o que mudou de fato, qual tendência é diferente e qual é igual para fazermos os ajustes necessários. Ajustes estes que são normais e que ocorrem de um ano para outro, mesmo sem crise, afinal o mercado é vivo e o desejo dos clientes mudam de um ano para outro. Mesmo assim esta mudança não justifica esquecer o que aprendemos até aqui.
Como Leandro Karnall disse a crise acelera as mudanças que já estavam em curso, então quais eram as mudanças em revenue management que irão ficar mais evidentes agora?
Na minha opinião, a mudança mais forte será como fazemos o nosso forecast, se você já leu o artigo que eu falo sobre forecast accuracy já deve saber qual a minha linha de pensamento sobre “acertar” o forecast.
Neste momento “acertar” o forecast será como ganhar na loteria, porque não existe um modelo de comparação compatível com a situação atual e, literalmente, ninguém no planeta tem uma ideia segura por qual caminho a economia global irá seguir. O que já era uma tendência moderna, e que eu acredito que pode se intensificar agora, é o forecast por cenários.
Sempre foi esperado de um revenue manager ou de um RMS um forecast assertivo com apenas um cenário que apresente um resultado real perto dessa previsão, ou seja, se a previsão da taxa de ocupação do mês for de 60% o resultado final tem que ser o mais perto, se não, 60%. Se você estimar 55% ou 65% seu forecast é considerado ruim e não é confiável. Agora, não se iluda, não existe fórmula mágica que mostra o futuro de qualquer negócio com certeza. Se existisse todos teriam acesso a essa fórmula e este artigo nem existiria. Então esperar um forecast “certo” seja de um sistema ou de uma pessoa não me parece lógico ou coerente.
Saindo um pouco da hotelaria, empresas conceituadas que fazem previsões de cenários econômicos, políticos, agências de segurança como a CIA trabalham suas previsões com cenários de possibilidade, pois de novo, não há certeza no futuro. Na hotelaria poderíamos adotar o mesmo conceito trabalhando o forecast como um cenário de possibilidades.
Por exemplo, se os grupos previstos para o mês se confirmarem a previsão é de 60%, se não é de 50% ou indo mais além, se os grupos se confirmarem e a tendência dos individuais não mudar teremos uma previsão de 58% a 62% de ocupação, se os grupos não confirmarem teremos de 48% a 52%. Já uma margem de erro esperada no forecast pode ser difícil de acompanhar, porque nossa mente trabalha de maneira mais objetiva, focando no certo e errado, do que abstrato, considerando a possibilidade de cenário A ou B dependendo de fatores X, Y, Z. Nós trabalhamos com instruções simples de acompanhar, linhas cronológicas com início, meio e fim, e já pensar de maneira que se assemelhe a um fluxograma parece algo para computador.
Fazer muito cenários futuros diferentes pode ser muito complexo para ser feito na mão, neste caso, a tecnologia certamente ajuda. O que não podemos é trabalhar com apenas um forecast e esperar que essa previsão seja a única opção correta, isto deveria ser coisa do passado. Em termos práticos teríamos pelo menos dois modelos de previsão, um mais otimista e outro mais pessimista, sendo todo resultado entre os dois, possível. Com tempo e dados poderemos medir e determinar qual polo desse espectro o hotel se encaixa com maior frequência para formar uma terceira linha, a previsão do cenário “mais provável”, mas não, o único possível ou o certo/preciso.
Ao levar em consideração se os grupos confirmarem ou não confirmarem, se a tendência dos individuais será mantida, se a promoção gerará resultado ou não, se as ações de vendas para atrair mais corporativos, ações com operadoras / OTA e assim por diante funcionarem ou não, temos um maior espectro de possibilidades que é essencial para decidir qual seria o melhor cenário a seguir, qual teria menor risco e maior recompensa.
Mesmo que inicialmente seja difícil acompanhar tantos dados e possibilidades, este modo é algo mais próximo do futuro, onde podemos ver algo mais próximo da realidade, puxado pelo período de grande imprevisibilidade que a hotelaria (e a economia em geral) irá enfrentar.
Por mais que eu goste de estar junto nessa dança, quase que ritualística ao redor da fogueira, vamos deixar os dados longe do fogo.
A hotelaria é uma indústria onde a previsibilidade do negócio é relativamente alta. Não há mudanças tão bruscas no nosso mercado, elas são lentas e graduais e, relativamente, fáceis de ver. Logo, quando temos essas mudanças bruscas, elas são MUITO evidentes pois são mudanças que afetam a economia em geral.
Os nossos registros nos ajudam justamente porque as mudanças são pequenas e graduais, então os modelos históricos ainda são muito relevantes para projetar os resultados futuros, por mais que você tenha que fazer pequenos ajustes por conta da mudança entre o histórico e o modelo futuro. Portanto, os modelos pré-crise talvez possam ser utilizados como referência e benchmark para o momento pós-crise (fase 4), seguramente não será um copiar/colar, mas uma referência a ser utilizada com ajustes para refletir o “novo-normal”. 😉
Rafael Toledo