Setembro foi um mês de grande agitação na distribuição hoteleira com o fechamento da Amoma e da Thomas Cook, praticamente uma CVC do mercado europeu. Ambos deixaram milhares de viajantes na mão além de todo o trade turístico, em especial a hotelaria, com uma conta amarga a ser paga.
No meio desse turbilhão a Marriott anunciou uma parceria exclusiva com a Expedia que poderá mudar muita coisa na relação dos hotéis com as operadoras, principalmente as “bed banking”. Se a moda pegar, poderemos ter mais uma rodada de consolidações e centralização da distribuição na mão de poucos.
Com tantas mudanças, gostaria de focar, por hora, na Amoma e trazer à discussão os problemas de paridade de tarifa e a “falta de controle” que temos na nossa distribuição.
A Amoma era uma OTA (Online Travel Agency ou em tradução livre agência de viagem online) como a Booking, Expedia, Decolar entre muitas outras, que revendem quartos de hotéis e resorts de modo online para o hóspede final. Porém o principal motivo da Amoma ser odiada por muitos hoteleiros (se não todos) era por conta das dificuldades na relação entre a OTA e os hotéis, ou melhor na falta deste vínculo, já que a mesma não tinha contrato direto com nenhum hotel e, portanto, não se sentia na obrigação de atender a nenhuma reclamação. Além disso, a paridade de tarifa, prática normal na distribuição online, não era respeitada pela Amoma que muitas vezes vendia os quartos dos hotéis a um preço mais baixo do que nos canais diretos do hotel e de outros parceiros ou outras OTAs.
Sabe aqueles allotments offline com tarifa fixa e linear que as operadoras adoram? Ou aqueles acordos de tarifa flutuante com wholesalers com markup super alto? Então, a Amoma entendeu como ninguém os loops e furos na distribuição hoteleira e montou um plano de negócio todo em cima disso.
Na minha opinião foi até genial a maneira como a Amoma conseguiu conectar o mercado das operadoras que se intitulam “bed banking”, “brokers” ou “consolidadoras” (que irei chamar apenas de “operadoras”) que estavam começando a ser afetadas pelas quedas das vendas nas agências de viagens tradicionais com a entrada das OTAs no mercado devido à facilidade da venda online que estas propunham.
Foi só encontrar um (na verdade bem mais do que um) parceiro que aceitasse ignorar o acordo de paridade tarifária e as condições de venda da tarifa operadora, sem empacotar o hotel com a passagem aérea e serviços turísticos, e pronto! Acesso abundante de quartos a um preço reduzido.
A Amoma sozinha não iria conseguir fazer esse plano funcionar se ela seguisse o mesmo caminho que a maioria dos distribuidores fazem, já que para terem acesso às tarifas reduzidas dos hotéis, eles negociam com cada hotel uma tarifa, para criar um pacote com outros serviços turísticos atrelados. Entretanto, se a Amoma vendesse somente o quarto repassando o desconto do pacote para o cliente final e, consequentemente, gerando a disparidade de tarifa, rapidamente os hotéis iriam fechar a disponibilidade da Amoma e a mesma estaria sem nada para vender.
Porem… a distribuição hoteleira pode se tornar bem mais complexa se isto lhe for conveniente. Com os avanços de sistemas e tecnologias, está muito mais fácil conectar, em tempo real, uma grande quantidade de distribuidores, sem que nem o cliente, nem o hotel saibam que eles estivessem envolvidos no processo de venda.
Essa complexidade é o que gera buracos na distribuição, o que, por sua vez, dá margem para distribuidores como a Amoma existirem. O hotel oferece uma tarifa offline fixa para uma operadora (operadora A) que diz que irá respeitar a paridade de tarifa e a condição de vender o quarto através de um pacote. A Operadora A vende para a operadora B que promete respeitar a mesma condição, porém a Operadora B revende o quarto para a Amoma sem exigir qualquer cumprimento de paridade tarifária, no fim a Amoma repassa ao cliente final o desconto e gera a disparidade de preço com outros canais.
A operadora B não cumpre a parte do acordo com a Operadora A já que a Amoma está vendendo bastante e, como nem a Operadora A e nem o hotel consegue auditar se o acordo para garantir a aplicação do mark-up/condições da tarifa está sendo cumprido já que a tarifa é restrita e empacotada, o hotel não pode nem perguntar ao cliente qual o valor da tarifa que foi pago.
E nesse meio tempo, a Amoma está vendendo o hotel em questão a um preço mais baixo e o hotel “não sabe” de onde tiram esses valores e disponibilidade. Agora imagine como esse ciclo pode se tornar bem complexo quando há 3, 4 ou 5 operadoras intermediando tudo. Fica quase impossível rastrear para quem o quarto é vendido do ponto de vista do hotel e da Operadora que o hotel fez o acordo inicialmente.
Vou resumir bem o que é paridade de tarifa, porque em breve vou lançar a segunda temporada de vídeos sobre Revenue Management no meu canal no YouTube. Nesta nova temporada teremos uma mini série com 3 vídeos para explicar mais detalhadamente o que é paridade de tarifa, porque ela é utilizada na distribuição hoteleira e os prós e contras para o mercado.
De modo geral, paridade de tarifa é uma pratica na distribuição hoteleira a qual garante o mesmo preço para um quarto reservado na mesma data e nas mesmas condições de venda tais como: café da manhã incluso ou não, condições de pré-pagamento (se houver), taxas e etc. Isto não dependente do canal escolhido pelo o cliente, ou seja, se você fizer uma pesquisa no site do hotel, Booking, Expedia e onde mais você encontrar aquele hotel, as condições e valores de tarifa serão os mesmos.
Por exemplo, se você vende um quarto pelo seu site ou vende o mesmo quarto pelo site da Expedia, para o cliente final o quarto irá custar R$ 100. Logo, vendendo direto você recebe os R$ 100 do cliente ou pelo site da Expedia você receba R$ 80,00 pelo quarto (considerando um mark-up de 25%). O hotel faz um acordo com a Expedia e ela assumi o compromisso de não repassar parcial ou totalmente os R$ 20,00 de margem do mark-up para o consumidor final fazendo com que a paridade de preço exista entre os dois canais.
Mesmo com toda essa inteligência e entendimento do mercado a Amoma acabou fechando as portas. Na sua nota oficial a Amoma critica a consolidação do mercado online na mão de poucas empresas tornando impossível manter a competitividade e oferecer um preço justo ao cliente, critica também os altos custos de aquisição de clientes e que essas grandes empresas impediam a entrada de novos concorrentes no mercado.
A Amoma estava sofrendo boicotes de muitos hotéis e redes hoteleiras além de inúmeras críticas e reclamações online acusando-a de fraude, o que dificultou muito manter a estabilidade das vendas online). As alegações da empresa reforçam o medo dos hotéis em relação à Booking, Expedia, Google e, em um futuro próximo, a Amazon também deixarem cada vez menos espaço para competição no mercado online de viagens.
Se nem a Amoma, com a capacidade de caixa, notoriedade online e vendendo o mesmo produto a um preço mais barato conseguiu sobreviver, o que isso irá significar para nós hotéis que desejamos sair da crescente dependência das OTAs? Fica aqui um ponto de reflexão.
Você deve ter notado recentemente que na página do seu hotel, dentro do site da Booking aparece uma tarifa chamada “Booking basic”. Uma tarifa pré-paga, mais baixa do que o preço que você carregou na extranet da Booking. O Booking Basics é basicamente a mesma metodologia da Amoma de acesso ao inventário e preço de hotéis. Nem deu tempo de comemorar o fato dela ter fechado as portas, já temos que enfrentar o mesmo problema com a Booking.com.
O site da Amoma não era confiável, logo os hotéis boicotavam sem preocupações as reservas identificadas provenientes dela. Contudo, ao enfrentar o mesmo tipo de problema no site da gigante Booking traz uma nova dimensão ao problema.
Para o cliente, a tarifa Booking Basics pode parecer uma tarifa promocional exclusiva oferecida pela Booking, reforçando a ideia de que é mais barato reservar por uma OTA. Já para o hotel, será uma diluição de receita instantânea, um problema muito difícil de resolver devido à crescente complexidade da distribuição e de pouco acesso à informação, afinal há omissão de todas as partes (Booking e Operadoras) para identificar a origem desta tarifa.
E agora o hotel tem que lidar com o problema da Amoma em um dos principais, se não o principal, canal de distribuição do hotel. Tudo isso vindo de uma empresa que dificilmente fechará as portas pois é uma empresa saudável financeiramente, além de ser popular e confiável entre os viajantes.
A tecnologia utilizada pela Amoma e outros sites similares para acessar o inventário das operadoras com os níveis de desconto das tarifas das tarifas “pacote” e revender ao cliente final já existe há anos e, seria ingenuidade nossa achar que as maiores empresas do setor como Booking & Expedia nunca tiveram acesso a isso.
Os motivos que nunca levaram a Booking e Expedia a não utilizarem essas tarifas até hoje, pode ser um tema para o próximo artigo, mas possivelmente o gatilho que iniciou essa mudança foi o fato de muitos países na Europa, América do Norte e também no Brasil mudarem suas leis proibindo as OTAs de cobrarem ou punirem os hotéis de alguma forma por falta de paridade de preço. Talvez seja uma resposta aos sites como a Amoma que durante anos se beneficiaram de tarifas mais baixas proveniente de operadoras “espertas” que não cumprem o combinado com os hotéis ou talvez, seja mais um nicho de mercado que a Booking decidiu atacar.
Há anos as OTAs vêm aumentando o seu raio de influência na distribuição de hotéis, entrando em diferentes nichos de mercado. Oferecer casas e apartamentos de pessoas físicas não é mais exclusividade da Airbnb, inclusive a Booking já superou o Airbnb em número de ofertas deste tipo de segmento. Elas também já atacam o mercado corporativo (apesar de ainda não fazer frente aos GDS, TMCs e processos de RFP), outras vendem para agências de viagens e outras operadoras como faz a Trend e ainda são donas dos principais metasearch como Trivago e Kayak. Enfim, por que não entrar na onda da conexão com as operadoras e atacar o nicho de mercado da disparidade?
Ainda há muitas dúvidas em relação à questão econômica já que claramente há uma redução no valor de comissão recebida pela Booking, uma vez que o valor da tarifa paga será menor. Mas talvez haja algum ganho no valor de marca no médio e longo prazo, ou é possível que haja ganho de volume de acessos e conversão no site por causa do preço. Esse é um estudo de caso que seria muito interessante de ver daqui a algum tempo.
No fim do dia, está cada vez mais claro a importância de gerenciar a distribuição adequadamente, conhecer mais a fundo os parceiros para quem estão sendo oferecido tarifas com mark-up agressivos e, principalmente, tarifas fixas e offline. Fazer testes periódicos nesses sites que possuem disparidade de preço (e agora no Booking basics) para identificar o distribuidor que não está seguindo as regras para e fechar a disponibilidade para eles.
Não se iluda com a promessa de grandes volumes de negócios provenientes de mercados inexplorados e/ou desconhecidos, com o discurso que no meu mercado só se aceita tarifas fixas offline, ou com níveis de mark-up muito elevados “para viabilizar a operação”. Geralmente são esses os distribuidores que vendem o seu hotel para os canais errados ou para os canais que você já tem conexão só que com um preço mais baixo do que você estaria disposto a fazer.
O inventário do hotel está nas nossas mãos e cabe a nós decidirmos quem tem acesso ao nosso inventário e em quais condições. A falta de conhecimento da nossa parte sobre o processo de distribuição e venda dos nossos quartos não pode ser justificativa para sustentar modelos de negócios como a Amoma.
A distribuição tende a ficar cada dia mais complicada, pelas conexões de sistemas, atualmente todo mundo compra de todo mundo, não existe mercados opacos e exclusivos ou um fluxo único para distribuição como havia antigamente. Lembre-se o que você oferece para um distribuidor, todo mundo consegue ver.
Obrigado pela atenção, boa sorte e muito sucesso!
Rafael Toledo